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A Laranja Mecânica de Wendy Carlos

Atualizado: 19 de nov. de 2020


Desde a sua introdução, os sintetizadores de Robert Moog tem sido cultuados e utilizados por músicos e produtores. Um dos pioneiros na utilização do sintetizador de Moog foi Walter Carlos, que em 1968 gravou o álbum "Switched-on Bach". Chamou a atenção pela inovação ao gravar peças do grande compositor alemão por meio de sintetizador, mais especificamente com um moog modular, em overdubs, isto é, gravações adicionais em cima de pistas já gravadas. Lembro-me de, ainda menino, ter visto o álbum de vinil em casa, na década de 1970, quando meu pai o comprou na antiga loja de discos "Bruno Blois", no centro de São Paulo. Na época me encantei com a capa e com a sonoridade daquele álbum.

A paixão de Stanley Kubrick pela música eletrônica remonta à trilha sonora de "A Clockwork Orange", ou, por aqui, "A Laranja Mecânica", filme de 1971, baseado no livro de 1962 do britânico Anthony Burgess. A história é de um homem, Alex DeLarge (Malcolm McDowell), e de seu grupo de amigos marginais que, numa Inglaterra futurista se dedicam a praticar a ultraviolência. Alex é preso e torna-se alvo de experiência de alteração de personalidade, chamado de “método Ludovico”, consistente em obrigar alguém a ver horas intermináveis de imagens violentas até que seu corpo e mente tenham aversão à violência.

Extrai-se da biografia de Walter Carlos, que se formou pianista erudito, e foi aluno de Vladimir Ussachevsky, pioneiro da música eletrônica. Após a sua graduação, encontrou-se com Robert Moog, quando teve os primeiros contatos com o sintetizador, isto é, uma nova forma de ciar ondas sonoras: a eletrônica, por meio de gerador ou osciladores de voltagem, que, após passar por filtros e amplificação, chega aos ouvidos por meio de alto falante.

Carlos era muito recluso, mas se tornou notícia quando resolveu se transformar em Wendy Carlos, a mulher que aparece apoiada sobre um sintetizador Moog (modelo Sonic Six) na foto de capa deste post. Na época a operação foi chamada deredesignação sexual e foi escandaloso, trazendo inclusive muitos prejuízos à carreira do artista que chegou a dizer que havia se arrependido de ter se submetido à transformação.

Retornado à trilha sonora do filme, Carlos entendeu que a pista essencial vinha do personagem central, o delinquente Alex, que tinha apreço especial pela música erudita, sobretudo Beethoven, e principalmente a 9ª Sinfonia. A idéia consistiu em unir a música erudita e a música futurista. Como método de trabalho, Kubrick escolheu peças clássicas para ilustrar as cenas que ia filmando. Carlos ia fazendo então a sua versão em sintetizador, sendo que, em muitos casos, Kubrick preferiu manter a versão original. Diante desse quadro, o filme alterna peças eruditas tocadas por orquestra composta de instrumentos clássicos acústicos (Rossini, Beethoven, etc...), com outras tocadas por ele próprio, inclusive peças originais. ​Algumas das músicas são ouvidas apenas em trechos, como por exemplo, "Pompa e Circunstância", conhecida como "Land of Hope and Glory" de Edward Elgar, ironicamente anunciando a chegada de um político na prisão. O tema principal é uma transcrição eletrônica de "Music for the Funeral of Queen Mary" de Henry Purcell, composta em 1695, para a procissão do cortejo por Londres do corpo da Rainha Maria II até o seu enterro na Abadia de Westminster. "March from A Clockwork Orange" foi a primeira música gravada com um vocoder (digitalização de voz).

Carlos ficou entristecido com Kubrick porque este em várias partes do filme optou por manter as músicas na versões originais. De tal forma, que, logo em 1972, editou “Walter Carlos’ Clockwork Orange”, com vários excertos e músicas não utilizadas por Kubrick. Voltaram a trabalhar juntos somente em 1980, em “Shining”, por aqui entitulado "O Iluminado", mais uma obra-prima. Conta-se, a propósito, que Kubrick queria usar elementos da suíte “Atom Heart Mother” do Pink Floyd, e pediu autorização aos músicos, que cederam, mas depois retiraram-na ao saberem que apenas excertos da suíte seriam utilizados. Diz a lenda que a banda pediu a Kubrick, anos mais tarde, para usar partes de “2001: Odisseia no Espaço”, mas este não se esquecera do episódio anterior, e recusou.

Não diria que "A Clockwork Orange" seja um disco de fácil audição, principalmente para quem não é muito aficcionado por música erudita. Contudo, não é complexo, e o segredo é assistir ao filme para somente depois aventurar-se nas notas musicais da obra.

É diversão garantida.

Faixas:

  1. "Title Music From A Clockwork Orange" ("Music for the Funeral of Queen Mary", Henry Purcell) - Wendy Carlos, Rachel Elkind - 2:21

  2. "The Thieving Magpie (Resumido)" - Gioachino Rossini - 5:57

  3. "Theme from A Clockwork Orange (Beethoviana)" - Carlos, Elkind - 1:44

  4. "Nona Sinfonia, Segundo Movimento (Resumido)" - Ludwig van Beethoven - 3:48

  5. "March from A Clockwork Orange" (Nona Sinfonia, Quarto Movimento, Resumido) - Beethoven, Schiller (letra) - 7:00

  6. "William Tell Overture (Resumido)" - Rossini - 1:1

  7. "Pompa e Circunstância N. I" - Edward Elgar - 4:28

  8. "Pompa e Circunstância N. IV (Resumido)" - Elgar - 1:33

  9. "Timesteps (Trecho)" - Carlos - 4:13

  10. "Overture to the Sun" (Versão instrumental do álbum "Sound of Sunforest", 1969) - Terry Tucker1:40

  11. "I Want to Marry a Lighthouse Keeper" (Gravado a partir do álbum "Sound of Sunforest", 1969; a versão do filme difere da versão da trilha sonora) - Erika Eigen - 1:00

  12. "William Tell Overture (Resumido)" - Rossini - 2:58

  13. "Suicide Scherzo (Nona Sinfonia, Segundo Movimento, Resumido)" - Beethoven, Carlos - 3:07

  14. "Nona Sinfonia, Quarto Movimento, Resumido" - Beethoven - 1:34

  15. "Singin' in the Rain" - Letra por Arthur Freed, Música por Nacio Harb Brown - 2:36

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