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O Músico Refém

Atualizado: 21 de abr. de 2021


Estudo música desde os sete anos de idade, e tenho participado de bandas de vários gêneros musicais desde os dezesseis, autorais e tributos. Durante todo este tempo muitas amizades valiosas tenho me orgulhado de conquistar, e inevitavelmente tenho acumulado alguma experiência.

Se tivesse que dar conselhos a quem está começando neste formidável universo, diria que o primeiro passo é jamais formar uma banda com quem não é músico, e muito menos com pessoas problemáticas, ainda que você possa se deslumbrar por conta de alguma promessa de vantagem. Parece evidente, mas não é. Explico. Ser músico não é necessariamente ter um passado de estudos com métodos e professores. Ser músico é ter a centelha divina da arte arraigada na alma. Ser músico não é necessariamente ser um profissional da área, mas respeitar a profissão. Apenas isso. Então, em hipótese alguma cometa o erro de incluir em sua banda alguém que tenha a oferecer tão somente contatos para shows e um passado tenebroso. Repare se em muitos anos a pessoa se preocupou ao menos em ter equipamentos decentes ou aprender o que tocar ou cantar de forma satisfatória. Cuidado com as aparências. Jamais tenha em sua banda pessoa a tocar as notas musicais sem saber o que faz, como um papagaio a repetir frases.

Parece muito bom no início ter alguém ao seu lado que possa colocar a banda para tocar em alguns locais interessantes, mas saiba que se você se deixar seduzir apenas por esta possibilidade, pagará muito provavelmente um preço caro demais. Este personagem, com o tempo, tenderá a tomar conta de tudo ferozmente, e a todo custo tentará de todas as formas mostrar que é o mais importante integrante porque somente assim terá a chance de ter toda a atenção, e, principalmente, só assim poderá ajeitar as coisas a seu favor. Por isso, tentará impor as regras que, para ele, são convenientes, claro, sempre em benefício próprio, escondendo suas imensas frustrações por trás de suas desmedidas ambições. Sua arma é simples: dirá sem pestanejar que o dinheiro é o fator mais importante em uma banda. É claro que o dinheiro é necessário, mas não é o fator preponderante, e nem pode ser em uma banda musical, porque a arte deve prevalecer, sempre. O dinheiro é consequência do trabalho conjunto, jamais o antecedente. Nesta linha, em pouco tempo o personagem passará a abocanhar a maior parte dos cachets após paulatinamente fechar alguns shows, sob a justificativa de que deve receber comissão pelo seu trabalho, ainda que todos os outros que de algum modo trabalhem ativamente nada recebam (redes sociais, marketing, arranjos, site, contabilidade, etc...), assim, aos poucos passará a ditar as regras sobre tudo e todos. Será, no fundo, um medíocre jogador de futebol com cadeira cativa no time, mas porque se intitulará o dono da bola. Logo ele, que não é e nunca foi músico, se tornará o líder de um grupo de músicos. Estarrecedor este cenário? Contraditório? Paradoxal? sim, claro que é! Curiosamente pode ocorrer de outros músicos da banda fecharem shows que sejam mais importantes que todos os outros oferecidos por ele, mas aí, é claro, apressadamente fará de tudo para tomar para si os contatos novos, e, como em um passe de mágica, incluirá em sua discutível e questionável carteira estes novos, os quais, assim, serão desviados dos próprios colegas de banda. Depois fará de tudo para convencer a todos que o contato era dele desde o início.

Provavelmente a imensa insegurança do nosso personagem se tornará cada vez mais evidente com o passar do tempo se a banda começar a se mover em progresso, mesmo ele remando o tempo todo contra a maré, e, assim, novas perspectivas surgirão, e para jamais perder sua tirania e privilégios, tentará a todo custo se autopromover, porém, sempre da pior forma mercê de seu instinto de sobrevivência, tecendo elogios descabidos a si próprio principalmente nas redes sociais - alguém já viu um artista de verdade fazer isto? -, e, é claro, atacando a tudo e a todos, colecionando assim uma legião de inimigos, ainda, certamente, denegrirá músicos da própria banda que questionarem seus métodos nada justos, e também tecerá palavras malignas e gratuitas contra outros músicos e bandas, inclusive contra quem já conviveu. Incrivelmente até mesmo chegará ao ponto de atacar empresários da noite, instituições que promovem música ao vivo e seus profissionais, se algo fugir de seu controle. Assim, vociferará ofensas e como uma besta liderará marionetes, e levará todo o grupo ao abismo no âmbito da reputação.

E você, ali, que é parte da banda, será apenas um refém porque assim preferiu ser, e em estado letárgico nada poderá fazer para impedir que as pessoas de um modo geral concluam que todos do grupo são destituídos de musicalidade e ética, inclusive você. Afinal, não é de hoje, diga com quem andas... Algum estudioso do comportamento humano dirá que se trata de síndrome de Estocolmo. Na verdade, tenho um pensamento muito firme a respeito desta faceta: merece ser equiparado ao arquiteto se ao ter ciência dos atos deste ainda assim permanecer inerte, ainda que tenha algum interesse, o qual nunca será justificável diante desse panorama. Já vimos isso na história do mundo, e o final é sempre o mesmo, a queda. Quem conscientemente se envolve com malfeitores, deve ser lembrado como tais.

Meus bens mais valiosos são minha reputação e minha dignidade, e não podem ser avaliados para venda.

A esta altura, a imagem da banda já estará no limbo, os sorrisos desaparecerão das faces dos músicos, e o caos se instalará. Finalmente você se dará conta que durante todo o tempo cometeu um grave erro. Intrigas internas e desavenças gerais é tudo o que ele deseja, pois assim estará sempre a postos para eleger os seus protegidos, os quais, não se enganem, serão os inimigos do amanhã.

Saiba, no entanto, que nunca é tarde! Crie outro grupo com músicos e pessoas de confiança, leve com você quem importa, resgate-os do inferno, certifique-se de não cometer o mesmo erro de incluir novo integrante indesejável, e vá em busca da felicidade. Ainda haverá tempo de criar um organismo sadio e democrático, com repartição igualitária de tarefas e remunerações. Não se preocupe se você ajudou a elevar o nível geral da banda com sua arte e esforço no período que lá esteve, pois sempre seu legado é o que permanecerá para o público, que sentirá sua falta, e te acompanhará por onde fores. É por isso, na maioria das vezes que levas grandes de músicos se retiram periodicamente de bandas deste nipe, e isto ocorre porque em determinado momento acordam para a realidade.

Então, meus caros, este é meu conselho, convivam com músicos de verdade, e afastem as pessoas que nada acrescentam, e se precisarem de contatos para shows, contratem um bom agente, e aí sim, todos estarão em seus devidos lugares.

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