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Foto do escritorRenato Moog

Entrevista com Regina Migliore

Atualizado: 7 de set. de 2022



Em meados de 1982, a recém inaugurada Rede Manchete de Televisão iniciou a transmissão da série "Fame", aqui no Brasil "Fama", que tratava das experiências de jovens estudantes de dança e de música na Escola Performática de Artes de Nova Iorque (inspirada na Fiorello H. LaGuardia High School of Music & Art and Performing Arts). Minha identificação foi imediata, afinal, nessa época eu era estudante de música em uma escola movimentada e tradicional aqui de São Paulo, o Conservatório Heitor Villa-Lobos, e tinha praticamente a mesma idade dos protagonistas, fase de nossas vidas que as incertezas são comparáveis aos sonhos, de modo que acompanhei do primeiro ao último capítulos as frustrações, conquistas e anseios deles, em meio as próprias experiências, e não tardou para que me identificasse com o tímido tecladista Bruno Martelli, interpretado pelo ator Lee Curreri. Apaixonantes eram as cenas em que ele compunha canções em uma das inúmeras salas de aula, geralmente envolto em vários teclados e pianos da marca Yamaha, que era a patrocinadora da série, em uma época em que os instrumentos eram mais estilosos que hoje, geralmente com estruturas de madeira e knobs brilhantes de metal.


A série se baseou no filme homônimo dirigido por Alan Parker ("The Commitments", "Pink Floyd - The Wall"). Em uma cena, a personagem Coco Hernandez, interpretada por Irene Cara, toca no piano e canta a música tema "Out Here On My Own" (Lesley Gore e Michael Gore) para para Bruno Martelli (o ator Lee Curreri atuou tanto no filme quanto na série, diversamente de Irene Cara). A música é uma declaração de isolamento pessoal, acompanhada por um piano acústico com arranjo elegante, e foi indicada na categoria de melhor canção original para o Oscar de 1981, conquistando o prêmio, e também meu coração.


Recentemente cogitei regravar a canção, e convidei Regina Migliore para cantar. Não levei em consideração somente sua técnica apurada, fruto de muitos anos de estudo, mas também, e principalmente, seu carisma arrebatador e a capacidade de transmitir emoção, essenciais tendo em conta a música escolhida. Durante anos dividimos o mesmo palco com as bandas Echoes Pink Floyd São Paulo, Pink Floyd Dream e Rick Wakeman Project, e sei muito bem quão poderosas são tais virtudes de Migliore e os efeitos que causam nas pessoas, e não digo apenas em relação ao público, mas, é claro, também perante os músicos que a acompanham: sou testemunha viva disso. Em pouco mais de uma semana o primeiro take de gravação chegou às minhas mãos, e ouvi sua interpretação vocal afinada, sensível e vibrante, sem exageros, mas ao mesmo tempo plena de emoção, como já esperava.


Enquanto planejávamos o trabalho, propus essa entrevista para que Migliore pudesse revelar um pouco mais de sua vida musical, planos, gostos pessoais, enfim, sobre sua vida de um modo geral, e que foi gentilmente aceita.



  • Conte-me como tudo começou.

Minha história com a música começa tarde... aos vinte e dois anos eu entrei para a minha primeira banda de musica popular, misturávamos tributo e autoral, tocávamos rock, mpb, pop, com influências de Mutantes, Secos e Molhados, Arrigo Barnabé etc...ou seja um caos total! Nessa época comecei a ter aulas particulares de canto lírico, e logo eu entrei na Escola Municipal de Música. No segundo ano da EMM entrei para a graduação em Canto e Arte Lírica da USP, e através da USP eu ganhei uma bolsa de estudos para cursar um ano de música e musicologia na Université Sorbonne em Paris.


  • Essa experiência no exterior, na França, deve ter sido muito interessante.

Foi muito gratificante, mas também muito dura, pois não é fácil ser uma estudante estrangeira em outro país onde você tem que, para acompanhar os conteúdos da universidade, dominar a língua e ainda entender todo o contexto cultural desse novo país, com códigos sociais diferentes dos nossos. Mas hoje percebo que esses desafios que fazem a gente crescer. Não há desenvolvimento pessoal no conforto. Tive a oportunidade de trabalhar com música em diversos contextos por lá (popular e erudito) conheci pessoas interessantes, vivi intensamente aquela cidade. Paris é sem dúvida, uma cidade cheia de possibilidades e belezas. Tive a oportunidade de fazer toda a pesquisa do meu TCC (que foi sobre as canções que Gabriel Fauré escreveu sobre os poemas de Victor Hugo) na biblioteca do Pompidou. E realmente essa foi uma fase muito fecunda para minha formação intelectual.



  • Algum, ou alguns fatos marcantes na USP, e em Sorbonne?

Na USP são tantos, tantos anos, que fica difícil enumerar todos. Mas alguns se referem à possibilidade de trabalhar com artistas como Naná Vasconcelos, Ircam, etc.. e ter aulas com músicos icônicos como José Luis de Aquino, Mario Ficarelli, Benito Maresca, etc. Grandes mestres.



  • Se fosse se dedicar a algum instrumento, qual seria?

Já estudei violão, flauta transversal, violoncelo, piano... mas não acho que tenha habilidade motora para ser instrumentista. E também não tenho a disciplina necessária para isso, o estudo de um instrumento exige muitas horas diárias de estudo, coisa que eu definitivamente não tenho nesse momento.



  • Quais suas Influências, isto é, quem te incentivou a ingressar no mundo da música profissional, e quais seus cantores ou cantoras prediletos que a influenciaram de alguma forma?

Acho que ninguém me incentivou a entrar no mundo da música, quando eu vi, estava lá. Tudo aconteceu de forma natural. Obviamente teve dedicação diária aos estudos, mas a vida foi encaminhando para que tudo acontecesse sem que eu tivesse que forçar uma barra para isso. Minha influencia musical é a música boa. Não importa o estilo. Sou muito eclética. Cantoras que admiro são tantas! Talvez para citar algumas: Renata Tebaldi, Callas, Aretha Franklin, Billie Holliday, Flora Purim, Elis... Não dá para citar todas.



  • Destaque alguns dos grupos musicais que já participou.

Como cantora freelancer já fiz parte de tantos projetos que com certeza se tivesse que citar todos esqueceria algum. Atualmente minhas bandas mais ativas são: (nem tão ativas assim por causa da pandemia, mas enfim) Pink Floyd Dream, Echoes Pink Floyd São Paulo, Banda 80 Graus, Steely Dan cover, Rick Wakeman Project, Duo Hora Régia, Banda 80, Phil Collins Experience, Vellotrol 80.



  • Provavelmente você deve ter eleito as músicas favoritas para cantar.

Aquelas que estão em um tom confortável para minha voz (risos).



  • Você já compôs?

Sim, na época da primeira banda autoral eu compunha, e ainda componho hoje em dia. Mas nunca registrei ou gravei nenhuma composição. Com exceção de uma música que compus para minha afilhada. A música tem o nome dela “Marina” obviamente com influência de Caymmi.



  • Conte-me sobre uma conquista da qual mais se orgulha.

Me orgulho de ter sido uma boa filha para os meu pais.



  • Diga-me como você lidou com uma situação difícil.

Já passei por várias... câncer, quase fiquei cega duas vezes, morte do meu pai.... Acho que eu lido com as situações difíceis conforme as ferramentas psíquicas que eu possuo no momento. Não há regra. Mesmo porque acredito que a cada dia que passa, somos pessoas diferentes, então, como podemos reagir da mesma forma todo dia?



  • O que te motiva?

R. Minha família e aprender mais a cada dia.



  • Quais são seus hobbies?

Adoro trabalhos manuais (costura, crochê, bricolagem, etc), vídeo game, assistir a filmes e séries. Para mim o melhor programa do mundo é ficar em casa, ver um bom filme, em boa companhia, com um bom vinho (ou cerveja), e uma comida gostosa.



  • O que te deixa desconfortável?

Abuso de poder, ignorância (mas não de quem não teve acesso ao estudo, me incomoda quem tem estudo, teve acesso à informação e insiste em ser grosseiro, rude e abusivo). Acredito que as pessoas mais incríveis e com mais profundidade no que fazem, são normalmente as mais generosas. Já tive a oportunidade de trabalhar com diversos artistas assim.



  • Quais os palcos que me gostou para atuar, no Brasil e no exterior, seja porque ofereceu melhor suporte técnico, ou porque o público esteve mais caloroso.

São tantos shows e concertos inesquecíveis... mas me lembro com carinho dos primeiros shows com a Echoes, onde fazíamos turnê e a recepção do público era incrível, você Renato sabe do que eu estou falando.. (risos). Mas já toquei em teatros maravilhosos como Ópera de Arame, o Auditório do Ibirapuera, Igreja da Madeleine em Paris, Museu de Arte Sacra em SP, diversos Sescs... Nossa, nem da pra colocar todos aqui...



  • O que você mais gosta e menos gosta em trabalhar com música?

O que eu mais gosto é a performance. O que eu menos gosto é que, constantemente acontece, de você ter a data marcada com um trabalho e outros mil aparecem na mesma data, e você tem que abrir mão deles. Também não gosto de passagem de som (risos)... Apesar de saber que é necessária.



  • Como lidar com a internet em termos de música? O que é interessante, e o que não vale a pena?

Acho que a internet é uma ferramenta muito democrática para a divulgação musical. Eu particularmente não tenho muita habilidade para aproveitar. É algo que busco constantemente corrigir, mas confesso que tenho preguiça com redes sociais.



  • Seu estilo predileto de música?

Como disse eu amo música boa, mas particularmente adoro Rock, Pop, Mpb, Jazz, Musica erudita (só não gosto muito de Vivaldi , podem me julgar), Bossa Nova, Música Folclórica, enfim....



  • Fora dos palcos, o que costuma ouvir? conte-me sobre algumas das playlists favoritas.

As minhas playlists vão mudando conforme o momento que eu estou. Ultimamente tenho ouvido música brasileira. Ontem, por exemplo, matei saudade de Chico César e Rita Ribeiro. Mas geralmente giram em torno do que eu preciso estudar para algum trabalho específico.



  • Qual o melhor conselho que você recebeu?

Que a melhor coisa que você pode fazer com o seu dinheiro é gasta-lo com viagens, estudo e cultura.


  • Algum arrependimento?

Alguns... faz parte da vida. Às vezes fico me perguntando, se, caso pudesse voltar no tempo, faria certas coisas de forma diferente. Ainda não estou totalmente convencida, mas sei que hoje eu sou resultado de toda minha história. Fica então o questionamento: se eu tivesse mudado minhas escolhas, eu ainda seria a mesma pessoa?



  • O que vem a seguir em sua vida para você?

Não tenho ideia! Estou me preparando para algumas mudanças, mas só no futuro saberei como a vida será. Vida me surpreenda!



  • Que conselho vc poderia dar para quem pretende iniciar os primeiros passos no mundo da música?

Acho importante que a pessoa entenda que, mesmo tendo talento, o desenvolvimento musical jamais ocorre sem estudo, disciplina e dedicação. Nem todos desejam ser músicos profissionais, mais para que você seja um, é necessário que, como qualquer outra profissão, esforço e foco para que você se destaque.





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